domingo, 16 de junho de 2013

Planejando com Cinema – As greves do ABC

 

Lula abc da greve

Dando continuidade a programação de 2013 do projeto Planejando com cinema, trabalhamos nesse segundo bimestre o tema Movimento Sindical: ditadura e greves no ABC paulista. Como frisei na postagem anterior, os dois primeiros temas desse ano, apesar de distantes aparentemente, já antecipam as discussões do segundo semestre: golpe militar de 64, suas consequências e legado na história brasileira. O objetivo primordial, como irei explorar em uma próxima postagem será preparar um material de apoio e planos de ação para discutirmos com os alunos em 2014 o tema 50 anos do golpe. Bem, voltando para o movimento sindical. Assim como aconteceu com o tema Tropicalismo, felizmente cumprimos todas as etapas planejadas, e, mais importante, aprofundamo-nos no assunto e, como efeito disso, levaremos à sala de aula esse resultado.

Quem está acompanhando o blog já sabe que a partir do tema proposto para o debate, fazemos a escolha de um filme para ser objeto de discussão, que visa atender a três objetivos específicos: servir de mote para um debate sobre o tema, permitir que façamos uma discussão de como a história foi reescrita e explorada no formato audiovisual e por último, a elaboração de um método de trabalho utilizando o próprio filme em sala de aula. A partir daí, seguimos um planejamento padrão que segue com encontros visando a discussão dos textos de apoio sobre o objeto de estudo e finalizamos com a elaboração de uma plano de ação para usarmos em sala de aula, e claro, disponibilizarmos para os demais professores que se interessem pelo trabalho. Vamos então para o resumo das atividades desse segundo bimestre de 2013.

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Dia 16 de maio: exibição do filme e debate. O filme que escolhemos foi o documentário Peões, dirigido por Eduardo Coutinho e lançado em 2002, que explora o papel das pessoas menos conhecidas que participaram das greves do ABC paulista no final da década de 70. Após assistirmos ao filme, começamos a discussão dos tópicos que fomos anotando durante a exibição. Em resumo, destacamos a preocupação de Coutinho com a construção narrativa do filme, procurando contextualizar o espectador com a factualidaCapa do DVDde, colocando intertítulos e exibindo, inclusive, trechos de outros documentários como Linha de Montagem e o ABC da greve (que aliás, comprometemo-nos em assistir posteriormente). Outro ponto que notamos é a importância que os entrevistados (na maioria nordestinos) perceberam em ter participado do movimento para o seu crescimento como cidadãos, orgulhando-se de terem lutado por seus direitos, por mais que em alguns casos tenha havido um prejuízo imediato. É como se eles tivessem desenvolvido uma consciência política naquele momento. Entre outros temas que discutimos (não vou explorar todos aqui) fechamos o debate com aquele que consideramos o eixo das falas: o papel de Lula nas greves. Como era época de campanha presidencial, era inevitável que os entrevistados fizessem uma menção constante a ele, e apesar do objetivo de Coutinho fosse ouvir as pessoas que depois daquela época não continuaram conhecidas do grande público, perceber como a atuação de Lula ficou gravada na mente deles foi uma demonstração de como o cinema é um veículo extraordinário para a história oral.

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Dia 23 de maio: debate dos textos de apoio. Os textos que escolhemos para o aprofundamento foram Piquetes pioneiros, de Marco Aurélio Santana; Uma análise da marca linguística greve no documentário Peões, de Eduardo Coutinho, escrito por Lorena Caminhas e Marta Regina Maia; ABC da greve, de Leon Hirszman: a escrita da história em confronto, de Reinaldo Cardenuto; Da narrativa à identidade: as representações das greves no ABC paulista e os depoimentos contidos no documentário Peões, de Eduardo Coutinho, de autoria de Rafael Rosa Hagemeyer e Alexandre Pedro de Medeiros; e por fim o texto de Marco Antônio Pereira do Vale Análise de Peões: a construção de um olhar cinematográfico sobre a memória operária do ABC paulista.

Não irei aqui me alongar no detalhamento das discussões, nem mesmo na reprodução dos aspectos principais abordados pelos autores, posto que não pretendo dar a essa postagem um caráter de fichamento. Não obstante, fica a sugestão dessas leituras para quem tem interesse pelo tema. O que quero ressaltar é que as discussões foram mais uma vez construtivas e acabaram girando em torno da importância de se perceber o movimento dentro de um contexto maior, o do estado de ditadura e mais especificamente o da abertura política. Outro ponto bastante debatido foi o do nascimento de uma consciência de classe entre os metalúrgicos que acabou desencadeando o surgimento de uma série de atores políticos de grande relevância e é claro, de instituições que desempenharam papéis fundamentais na redemocratização do estado brasileiro, como a CUT e o PT.

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Dia 03 de junho: Exibição do filme ABC da greve, dirigido por Leon Hirszman. Ficou combinado entre os professores que este segundo filme seria assistido individualmente, já que faltariam datas para o cumprimento de todo o cronograma antes das férias, posto que que intercalamos esses debates com outras atividades. A data a que me refiro foi o dia em que eu assisti ao documentário durante o horário do planejamento individual na escola. E o que destaco aqui são as minhas opiniões sobre a obra:

Pessoalmente, considero ABC da greve, tão importante, enquanto documento histórico, quanto Cabra Marcado para Morrer, dirigido por Eduardo Coutinho. Filmes que dizem mais do que qualquer texto (sei que ele também é um texto) sobre o que foram aquelas greves num contexto mais político, sem deixar de ser, é claro, pessoal. E como recorte, didaticamente relevante para o uso a posteriori por quem se dedica a estudar o tema. Seu uso em sala de aula, além de ser de grande relevância, permite ao professor e ao aluno ter contato não só com uma representação do fato, mas também com um documento a ser problematizado.

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É importante ressaltar também que as imagens foram captadas inicialmente como ação paralela a filmagem do longa Eles não usam black-tie, também dirigido por Leon Hirszman, e que merece ser assistido e utilizado em sala de aula. Inclusive seu uso como contraponto ao ABC da greve contribuiria muito para um debate com os alunos sobre a representação do mesmo fato sob a perspectiva de uma obra de ficção (baseada em um contexto real) e o documentário, que traz a tona a participação dos agentes históricos em seu momento de ação. Conceitos como verdade, documento, representação, etc., poderiam ser bem discutidos nesse caso.

Bem, resumindo aquilo que poderia ser discutido em sala de aula, pensando no ABC da greve como complemento dos debates iniciados com Peões, de Eduardo Coutinho, é importante lembrar que o ABC da greve nos possibilita ver mais cenas reais dos fatos, destacando os discursos das lideranças grevistas. O filme mostra também a relação que havia entre a classe patronal e a ditadura militar, quando por exemplo, acontece a intervenção no sindicato dos metalúrgicos, e assim como no caso de Peões, a película nos dá a oportunidade de refletir sobre o início da trajetória de Luís Inácio Lula da Silva. Outro ponto relevante é perceber como a Igreja Católica agiu em favor dos trabalhadores, cedendo espaço nas igrejas e se posicionando favoravelmente a causa dos operários.

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É fundamental que o aluno perceba, e o filme contribui muito para isso, que as greves não podem ser entendidas apenas como resultado da indignação com a descoberta da manipulação dos índices oficiais de inflação que serviam para correção salarial, levando os trabalhadores a uma perda sistemática do valor real de sua remuneração. Apesar de que o estopim para os eventos ter sido inegavelmente esse, as péssimas condições de vida, a favelização do trabalhador (que o filme mostra de maneira bem contundente), gerando a exacerbação de toda uma conjuntura de desigualdade social e coisificação do ser humano, agiram também para que o movimento tivesse a força que teve. A própria formação das favelas diz muito sobre a falta de preocupação com o trabalhador homem (não homem-máquina). O diretor cita que em 1964 na região do ABC havia 6 favelas. Em 1979 (época das paralisações) esse número havia aumentado para 155. Preocupação do poder público com a estruturação dessas famílias no contexto urbano? Bem, já a classe patronal foi ressarcida (com dinheiro público) pelos dias em que não houve produção devido às greves. Isso diz muito sobre o Brasil, e constitui-se numa oportunidade ímpar para uma discussão em torno da função do Estado brasileiro historicamente falando.

Dia 06 de junho: Montagem do plano de ação. Bem, tomamos por base o plano de aula postado no Portal do Professor do Ministério da Educação e escrito por Leonardo Souza de Araújo Miranda e tendo como coautora Ligia Beatriz de Paula Germano. De uma maneira geral, mantivemos os documentos sugeridos pelos autores, mas acrescentamos outros e mudamos principalmente as duas últimas etapas do processo. Em resumo, estruturamos o plano da seguinte maneira:

Primeira Etapa:  Contextualização. Estudo da Ditadura Militar no Brasil com foco maior na transição do governo Geisel ao presidente Figueiredo, especialmente a proposta de abertura “lenta e gradual”. Nessa etapa não haveria mudança de foco do conteúdo curricular previsto no plano de curso da disciplina História, pois o trabalho seria desenvolvido nas salas do 9º ano e do 3° ano do Ensino Médio, em que no segundo semestre, esses assuntos já são debatidos.

Segunda Etapa:  Estudo iconográfico do contexto histórico através de charges publicadas naquele período, contemplando também o uso de músicas que abordassem o contexto e o discurso de oposição ao regime ditatorial, como o Bêbado e o Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc. Serão apresentados também (como sugestão do plano de curso de Leonardo Sousa) dois panfletos de convocação para reuniões onde seriam discutidas campanhas de reinvindicação de aumento salarial para que os alunos analisem a linguagem e as relações entre patrões e empregados.

Terceira Etapa:  Nesse último momento, os alunos serão divididos em quatro grupos e cada um dos grupos receberá um filme que direta ou indiretamente vai está relacionado a Luís Inácio Lula da Silva, o líder do movimento e que, a posteriori, irá catalisar em torno de si tudo o que politicamente o país apresentou como resultado simbólico e político dos movimentos grevistas. Os filmes são Peões, O ABC da greve, Entreatos e Lula, o filho do Brasil. Montaremos um seminário temático em que cada equipe irá apresentar a sua recepção crítica da obra cinematográfica e exibirá trechos para a turma que exemplificam a compreensão que eles tiveram do personagem histórico Lula de acordo com o filme que viram. Certamente, devido ao caráter específico de cada filme, em termos de narrativa e até mesmo de gênero, poderemos discutir também as várias construções que o cinema pode apresentar em torno do mesmo fato ou do mesmo personagem.

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Bem, agradeço a leitura. Aguardo sugestões. E até a próxima postagem, onde exporei as ações do III eixo de discussão do tema Mídia, Sociedade e Violência Urbana, que estamos trabalhando dentro do projeto História e Cinema no CEJA Joaquim Gomes Basílio. Dessa vez o foco é a relação entre a violência e a corrupção na sociedade. Até lá!